Paula Maia P. Camargo
Psicóloga do Núcleo Pró-creare – Psicologia Hospitalar
.Mestranda em Psicologia Clínica USP
Membro do Laboratório de Psicanálise, Saúde e Instituição da USP (LABPSI-USP).
O suicídio é a segunda causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos no mundo. A cada 40 segundos uma pessoa se suicida. 800 mil pessoas morrem por suicídio por ano. Esses números fazem parte do novo relatório da Organização Mundial da Saúde (OMS). Diante desses dados, é importante reconhecer que o suicídio hoje é um fenômeno expressivo a ser considerado um problema de saúde pública, levando-nos, profissionais de saúde, a nos posicionar diante do debate público e das propostas de cuidado para a população em sofrimento.
Pretendo expor algumas considerações a partir de perguntas orientadoras: Como compreendemos o suicídio na atualidade? Existem formas de prevenção do suicídio? Como operar em casos agudos que indicam riscos ou naqueles em que a tentativa não ocasionou a morte do sujeito? Temos a oportunidade de abordar esse problema a partir da Campanha Setembro Amarelo, importante por deslocar o tema do suicídio do lugar de tabu a uma abertura para proposições de cuidado.
O suicídio é um fenômeno complexo e multifatorial. Não há uma causa determinante nem uma explicação universal. Podemos considerar que há três fatores que configuram essa experiência-limite: 1) Fator precipitante, ou seja, um acontecimento atual na vida do indivíduo que desencadeie o ato. 2) Fator estrutural, o que concerne ao particular na história de cada sujeito e seu modo próprio de lidar com as adversidades. 3) Fator contextual, relativo ao ambiente em que o sujeito está inserido e quais são os recursos dispostos, tanto de acessibilidade ao tratamento, quanto de vínculos pessoais-afetivos.
De modo geral, quando um acontecimento atual dispara a ocorrência de uma experiência de sofrimento devastadora, pode ser por reeditar uma experiência anterior, ou desestruturar uma organização psíquica fragilizada. Esse acontecimento acrescido de uma ausência de possibilidade de cuidado pode levar o sujeito a escolher o ato como tentativa de sair de um sofrimento insuportável.
Nos encontramos hoje em um contexto exacerbado de imperativos de produtividade, sucesso profissional, ideais de beleza e felicidade – alimentados pelo empuxo das redes sociais de mostração e imagem – que recaem sobre o sujeito como exigências nem sempre possíveis de serem correspondidas. Quando é elegido, a nível cultural, o que é apreciado, cria-se um outro grupo dos que não conseguem, dos que fracassam, dos excluídos.
De forma lógica, esses sujeitos, que se reconhecem a partir de uma depreciação de si pelo outro, tendem a se isolar e se afastar do convívio social e das atividades cotidianas – como forma de defesa desse sentimento de despertencimento. Esses quadros podem aparecer a partir de uma leitura psiquiátrica das depressões (desafeto, isolamento, apatia) ou ansiedade (angústia, crises e dificuldade em exercer as atividades). São quadros que podem sinalizar um sofrimento e, se potencializado, ser um fator de risco que leve ao suicídio.
É evidente que quando nos aproximamos dos índices e estatísticas do suicídio na população, vemos que há maior incidência em idosos, jovens e índios. Nesse sentido, esses grupos podem ser considerados grupos de riscos, já que possuem o elemento comum de estarem mais vulneráveis a exclusão. Idosos em relação a perda progressiva de lugar ativo no âmbito social, índios pelas desapropriações de espaço e cultura, e os jovens que se encontram em um momento decisivo do processo de criação de identidade – estando mais vulneráveis aos processos de segregação. Isso fica mais claro quando pensamos no bullying, ou seja, quando identificamos que essa prática segregativa e de violência com o outro pode gerar um afastamento da pessoa-alvo e um sofrimento agudo por não se sentir aceito no grupo.
Portanto, se localizamos que essa forma de sofrimento se relaciona com uma ruptura com o outro e com suas referências de pertencimento (e que esse afastamento dificulta no acesso ao cuidado), pensar em ações para auxiliar os indivíduos nessa situação é considerar uma disponibilidade dos profissionais de saúde em acolher o sofrimento em uma presença qualificada.
Podemos pensar em ações que incluem: 1) a vertente das instituições (endereçada a profissionais em lugares estratégicos) e 2) clínica – a) indivíduo e b) família. Na vertente institucional é importante sensibilizar os profissionais de saúde sobre os sinais, ou seja, capacitações e orientações a respeito do tema como forma de qualificar a escuta e a proposta de intervenção. Instituições educacionais como escolas e universidades são privilegiadas para a ação, como, também, hospitais e outras instituições de saúde – já que muitas vezes são lugares em que as tentativas que não se efetivam totalmente são encontradas (intoxicações exógenas, por exemplo).
No caso da vertente clínica, na relação com a) o indivíduo é importante que haja um profissional disposto e disponível em acolher o sujeito, propondo-se a realizar um plano de trabalho. Se não for um profissional psi, alguém que possa reconhecer a demanda e criar estratégias de encaminhamento e auxílio nas questões mais imediatas de reconhecimento do momento agudo ou de crise. Incluir essa dimensão é pensar também, principalmente nas instituições, b) no contexto familiar. Ou seja, identificar no contexto em que o sujeito está quais são as dificuldades e como sensibilizar os familiares ao cuidado. Ou seja, acolher o sofrimento, informar e construir alternativas para lidar com a situação, visando minimizar os mal-entendidos provenientes dos equívocos causados pela falta de informação.
Dar voz ao sujeito em sofrimento é uma forma de apostar na possibilidade que este possa se reconhecer e construir um novo caminho a partir do encontro com o outro.
Assim, vamos falar sobre o suicídio, para que o sofrimento possa ser dito, e não encontrar na morte seu único destino.